Nos últimos anos, suplementos rotulados como “naturais” se espalharam pelas prateleiras e pelas timelines. São apresentados como reforço para imunidade, performance, foco e longevidade. Muitas pessoas utilizam esses produtos acreditando que, por serem derivados de plantas, seriam automaticamente seguros.
O problema é que isso nem sempre acontece. Há registros consistentes de que alguns suplementos podem provocar lesões no fígado, um dos órgãos mais sensíveis quando o tema envolve substâncias bioativas. O mais curioso é que esses quadros costumam surgir justamente em pessoas saudáveis que buscavam cuidar melhor do corpo.
O que a ciência já identificou
A literatura recente descreve que suplementos naturais respondem por até 20% dos casos de lesão hepática aguda em alguns países (MARGINEAN, 2025; WOO et al., 2021). Globalmente, essa já figura entre as principais causas de dano hepático associado ao uso de substâncias.
Um levantamento com mais de 9.600 adultos nos EUA estimou que cerca de 15,6 milhões de pessoas utilizaram, em apenas 30 dias, suplementos capazes de gerar algum nível de risco ao fígado. Entre os mais consumidos estavam cúrcuma, chá verde, ashwagandha, Garcinia cambogia, arroz vermelho e black cohosh (LIKHITSUP et al., 2024).

Como esses suplementos podem prejudicar o fígado?
O fígado atua como uma central energética do organismo, processando nutrientes e filtrando compostos. Quando exposto a substâncias tóxicas ou concentradas demais, pode sofrer sobrecarga. Os mecanismos mais discutidos incluem estresse oxidativo, danos mitocondriais, respostas imunológicas e alterações no transporte de sais biliares.
No cotidiano, isso aparece em situações como o uso de extrato de chá verde presente em fórmulas de emagrecimento, associado a quadros de hepatite aguda por excesso de catequinas (PATEL-RODRIGUES et al., 2024). Também há relatos recorrentes de toxicidade com Garcinia cambogia (WOO et al., 2021). O consumo de cúrcuma em cápsulas, diferente do uso culinário, já foi descrito em casos de lesão hepática grave (PHILIPS; THERUVATH, 2024).
Casos reais e impacto global
No banco de dados do Drug-Induced Liver Injury Network (DILIN), dos Estados Unidos, a proporção de casos atribuídos a suplementos triplicou entre 2004 e 2014 e chegou a 20% (MARGINEAN, 2025). A evolução desse cenário mostra um aumento contínuo do risco associado ao consumo de produtos considerados “naturais”.
Em países asiáticos, o quadro é ainda mais expressivo. Em locais como China, Índia e Coreia do Sul, ervas e suplementos respondem por até 70% dos casos de lesão hepática induzida por substâncias (PHILIPS; THERUVATH, 2024).
Outro ponto relevante é que o consumo desses suplementos aparece, em alguns estudos, lado a lado com medicamentos conhecidos por sobrecarregar o fígado, como anti-inflamatórios não esteroides (LIKHITSUP et al., 2024). Essa combinação pode aumentar ainda mais a vulnerabilidade hepática.
Por que o risco é tão pouco percebido?
A falta de regulação rigorosa permite que suplementos cheguem ao mercado sem exigência prévia de comprovação de segurança (MARGINEAN, 2025). Há ainda rótulos pouco confiáveis, já que parte dos produtos não contém exatamente o que declaram (MARGINEAN, 2025). Soma-se a isso a ideia persistente de que “natural é seguro” e a subnotificação, já que menos de 1% dos efeitos adversos é oficialmente registrado.
O que isso representa na vida real?
Problemas são comuns em fórmulas de emagrecimento e produtos voltados para performance, que costumam combinar doses altas de extratos. A forma de consumo também influencia: chá verde servido na xícara raramente causa danos, mas cápsulas concentradas exigem cautela.
Mesmo quando o suplemento parece inofensivo, informar o médico ou nutricionista sobre seu uso faz diferença. Essa comunicação evita interações, duplicidade de compostos e riscos que poderiam passar despercebidos.

Considerações finais
O fígado é resistente, mas não ilimitado. Suplementos concentrados, ainda que de origem vegetal, podem causar lesões sérias quando utilizados sem orientação. A literatura destaca compostos como cúrcuma em cápsulas, extrato de chá verde, Garcinia cambogia e ashwagandha entre os mais associados a relatos de toxicidade.
Na prática, a forma mais segura de utilizar suplementos é combinar informação de qualidade com acompanhamento profissional. Como estudante de Nutrição, reconheço que essa é a estratégia que realmente protege a saúde ao longo do tempo.
Referências
- LIKHITSUP, A.; CHEN, V. L.; FONTANA, R. J. Estimated Exposure to 6 Potentially Hepatotoxic Botanicals in US Adults. JAMA Network Open, v. 7, n. 8, 2024.
- MARGINEAN, E. C. Hepatotoxicity of Herbal and Dietary Supplements: Bodybuilding and Weight Loss Supplements. Livers, v. 5, n. 42, 2025.
- PHILIPS, C. A.; THERUVATH, A. H. A comprehensive review on the hepatotoxicity of herbs used in the Indian (Ayush) systems of alternative medicine. Medicine, v. 103, n. 16, 2024.
- PATEL-RODRIGUES, P. A. et al. Herbal- and Dietary-Supplement-Induced Liver Injury: A Review of the Recent Literature. Livers, v. 4, n. 94, p. 94–118, 2024.
- WOO, S. M. et al. Herbal and dietary supplement induced liver injury: Highlights from the recent literature. World Journal of Hepatology, v. 13, n. 9, p. 1019-1041, 2021.