Longevidade e envelhecimento saudável

A promessa e o risco: quando o suplemento vira veneno

Cápsulas que prometem emagrecer, dar mais disposição ou prolongar a juventude têm um apelo forte e muitas vezes irresistível. A ideia de algo considerado “natural” costuma transmitir segurança, mas a literatura recente evidencia um ponto fundamental: o uso sem orientação pode impactar diretamente o fígado.

Na prática, muitas pessoas consomem esses produtos em busca de estética, performance ou longevidade e, sem perceber, aproximam-se de um cenário já descrito em estudos sobre hepatotoxicidade por suplementos em diversos países.

Por que os suplementos soam tão convincentes?

O imaginário em torno desses produtos é simples e sedutor. Eles evocam a ideia de atalhos para objetivos que exigem constância, como emagrecimento rápido, aumento acelerado de massa muscular, mais energia e foco, além de promessas de envelhecimento mais lento. Essa narrativa circula com força nas redes sociais e no marketing digital. Quando se soma esse discurso ao rótulo de “natural”, muitos presumem ausência de risco. Como observam Marginean (2025) e Patel-Rodrigues et al. (2024), trata-se de um mercado bilionário e pouco regulado, no qual a percepção de segurança nem sempre corresponde à realidade.

O fígado no centro da história

O fígado recebe praticamente tudo o que ingerimos. Ele metaboliza substâncias, ajusta compostos e filtra o que precisa ser eliminado. Quando sobrecarregado, reage com alterações discretas que podem evoluir para inflamações e, em situações extremas, para falência.

Relatos clínicos descrevem desde aumentos leves de enzimas hepáticas até quadros de hepatite aguda e falência hepática, alguns exigindo transplante (WOO et al., 2021). Esses casos não são frequentes na população geral, mas são graves o suficiente para exigir atenção.

Desenho simples de um fígado verde com três chamadas laterais indicando funções como metabolizar substâncias, filtrar toxinas e ajustar compostos químicos.

Exemplos que já preocupam a ciência

No campo do emagrecimento, cápsulas de chá verde concentrado aparecem repetidamente em relatos de hepatite associada a suplementos (PATEL-RODRIGUES et al., 2024). O Garcinia cambogia, popular em produtos destinados à redução do apetite, já foi vinculado a falência hepática em diferentes países (WOO et al., 2021).

Entre os suplementos para performance e musculação, misturas rotuladas como anabolizantes naturais e fórmulas com múltiplos ingredientes formam uma das categorias com maior número de toxicidades registradas (MARGINEAN, 2025). Uma parcela relevante dos casos envolve jovens que consumiam sem acompanhamento profissional.

No grupo associado à longevidade, produtos com ashwagandha ou cúrcuma altamente concentrada, em doses muito superiores às utilizadas no preparo culinário, também já foram identificados em relatos de hepatite (PHILIPS; THERUVATH, 2024).

Quadro dividido em nove células mostrando, na coluna da esquerda, objetivos como emagrecimento, performance e longevidade; na coluna central, suplementos como chá verde, fórmulas multicomponentes e ashwagandha; e na coluna direita, riscos como hepatite ou inflamação.

O lado invisível do risco

A subnotificação é expressiva. Menos de 1% dos efeitos adversos chegam aos registros oficiais (MARGINEAN, 2025). Soma-se a isso a rotulagem imprecisa, uma vez que análises laboratoriais identificam ingredientes não declarados em parcela significativa dos produtos. A sensação de segurança que acompanha o rótulo “natural” alimenta escolhas baseadas mais em crença do que em evidência.

Em países como Índia e China, práticas tradicionais associadas ao uso de ervas respondem por até 70% dos casos de hepatotoxicidade induzida por substâncias (PHILIPS; THERUVATH, 2024).

Impacto global

Nos Estados Unidos, os registros de lesões hepáticas atribuídas a suplementos triplicaram em dez anos e representam cerca de 20% das lesões hepáticas agudas catalogadas (LIKHITSUP et al., 2024; MARGINEAN, 2025). Na América Latina, cresce a preocupação com produtos vendidos online e sujeitos a adulterações (WOO et al., 2021). Em países asiáticos, a toxicidade por ervas tradicionais já aparece entre as causas frequentes de transplante hepático (PHILIPS; THERUVATH, 2024).

Quando a promessa vira veneno

Imagine alguém tentando perder peso para o verão. Compra cápsulas de chá verde concentrado acreditando no rótulo “100% natural”. Após algumas semanas, percebe cansaço persistente e olhos amarelados. No hospital, o diagnóstico confirma uma inflamação importante no fígado. Situações como essa já foram registradas diversas vezes na literatura médica (PATEL-RODRIGUES et al., 2024) e mostram como escolhas aparentemente inofensivas podem gerar problemas graves.

O que você pode fazer para se proteger

É fundamental questionar promessas de efeito rápido e buscar orientação de nutricionista ou médico antes de iniciar qualquer suplemento. Priorizar fontes alimentares de nutrientes, avaliar a procedência do produto e observar a própria resposta do organismo são estratégias essenciais de segurança. Em caso de fadiga intensa, dor abdominal, enjoo ou pele e olhos amarelados, o uso deve ser interrompido imediatamente.

Considerações finais

Suplementos têm seu espaço, sobretudo em situações específicas e acompanhadas por profissionais. O problema surge quando se transformam em atalhos para resultados imediatos. Nesses casos, o risco ultrapassa a promessa e recai sobre um órgão essencial e sensível.

O fígado é adaptável, mas não ilimitado. Vitalidade e longevidade são construídas diariamente com alimentação equilibrada, sono adequado e movimento regular, e não com cápsulas que prometem mais do que podem entregar.

Aviso profissional

Este conteúdo tem caráter educativo e informativo. Não substitui avaliação individualizada com nutricionista ou outro profissional de saúde habilitado.