Redes sociais como novo “livro de receitas”
Antes, a inspiração para cozinhar vinha da família, de amigos ou de livros de receitas. Hoje, quem dita tendências são as redes sociais.
Plataformas como TikTok e Instagram não só sugerem ideias, mas acabam definindo como as pessoas comem, o que compram no mercado e até o que deixam de lado no prato.
Três estudos recentes mostram como vídeos de dieta, hashtags e trends podem alterar de forma concreta nossas práticas alimentares do dia a dia.
TikTok: quando “dicas” viram regras de dieta
Um estudo analisou 250 vídeos com hashtags como #diet, #diettips e #whatieatinaday no TikTok e identificou alguns padrões preocupantes (MUNRO et al., 2024):
❗ 44% incentivavam perda de peso.
❗ Quase metade trazia mensagens negativas sobre alimentação ou corpo.
❗ Muitos criadores se apresentavam como “especialistas”, mas sem formação.
Esses conteúdos, muitas vezes, escondem dietas restritivas travestidas de dicas rápidas: pular refeições, cortar carboidratos ou substituir refeições por shakes. Na prática, quem consome esse tipo de vídeo tende a reproduzir comportamentos arriscados, como:
✸ Trocar um jantar completo por uma salada mínima.
✸ Passar a contar calorias de forma exagerada.
✸ Eliminar grupos inteiros de alimentos sem orientação.
Ou seja, o TikTok deixa de ser só entretenimento e vira um manual não oficial de dieta, cheio de regras sem base científica.
Instagram e o efeito “O que eu como em um dia”
Os famosos vídeos What I Eat in a Day parecem motivadores, mas carregam armadilhas.
Um estudo experimental com 403 mulheres mostrou que, após assistir a esse tipo de conteúdo, a chance de desenvolver comportamentos alimentares desordenados aumentava em 2,5 vezes (DAVEY et al., 2024).
Na prática, os efeitos podem ser:
✸ Copiar cardápios que não fazem sentido para suas necessidades.
✸ Criar a ideia de que existe um único jeito certo de comer.
✸ Sentir culpa ao comer algo diferente do “ideal” mostrado.
Um exemplo bem comum: ver um influenciador tomando só smoothie no café da manhã e, a partir daí, evitar pão, ovos ou café por achar que está “errando”.

Clean Eating: pureza alimentar ou restrição disfarçada?
A proposta do clean eating, dar preferência a alimentos “naturais” e reduzir processados, pode até ser positiva se entendida como incentivo à variedade.
Mas quando essa filosofia é levada ao extremo, surgem problemas sérios.
Pesquisadores observaram que pessoas expostas a conteúdos de #cleaneating tinham quase 3 vezes mais risco de apresentar sinais de transtornos alimentares em comparação a quem assistia a conteúdos neutros (DAVEY et al., 2024).
O risco aparece quando:
✸ Criam-se listas rígidas de alimentos proibidos.
✸ A comida passa a ser vista como algo puro ou impuro.
✸ Nutrientes importantes, como carboidratos e gorduras, são cortados sem necessidade.
Nesse ponto, a refeição deixa de ser prazer e equilíbrio, e vira apenas vigilância.
Quando estética dita a alimentação
Outro estudo, com 614 universitários da Romênia, mostrou que a pressão estética das redes leva jovens a ajustar a dieta para caber em padrões irreais (ZAHARIA; GONȚA, 2024).
Os resultados apontaram que, quanto maior a exposição a perfis de nutrição e fitness, maior a chance de:
✸ Substituir refeições por produtos “fit” sem acompanhamento.
✸ Seguir dietas da moda (low carb, jejum intermitente) apenas por comparação.
✸ Reduzir a variedade alimentar tentando alcançar um corpo idealizado.
Ou seja, não é só sobre autoestima. É sobre como a estética invade a rotina alimentar de forma concreta.

O que podemos aprender com esses achados
Esses três estudos reforçam que as redes sociais não só influenciam a forma como pensamos sobre comida, mas também o que de fato colocamos no prato.
Alguns aprendizados práticos:
📌 Questione tendências: não é porque viralizou que serve para você.
📌 Não copie cardápios prontos: cada corpo tem necessidades próprias.
📌 Desconfie de restrições extremas: cortar grupos alimentares pode gerar deficiências.
📌 Busque equilíbrio: comer saudável também significa flexibilidade.
📌 Prefira fontes confiáveis: OMS, Ministério da Saúde, sociedades científicas.
Considerações finais
Dietas virais têm força porque transformam opinião em regra. O que começa como inspiração pode virar rotina rígida, sustentada por comparação e culpa.
Vale lembrar: dá para aproveitar o lado positivo das redes (receitas, ideias criativas, motivação), desde que não se caia em regras sem base científica.
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Referências
- DAVEY, Caitlin; NEWMAN, Emily; HARE, Joanna et al. Risk of Instagram Dieting Trends on Eating Behaviour and Body Satisfaction in Women of Different Age and Body Mass Index. Journal of Technology in Behavioral Science, 2024.
- MUNRO, Emily; WELLS, Gabriella; PACIENTE, Rigel et al. Diet culture on TikTok: a descriptive content analysis. Public Health Nutrition, v. 27, e169, 2024.
- ZAHARIA, Alina; GONȚA, Iulia. The healthy eating movement on social media and its psychological effects on body image. Frontiers in Nutrition, v. 11, 1474729, 2024.